Primeiros e últimos versos de António Nobre

Fev 29, 2024 | Destaques

Em março 2024, será publicado o segundo volume da poesia reunida de António Nobre: PRIMEIROS E ÚLTIMOS VERSOS.

António Nobre é poeta de um só livro. A morte, em 1900, nimbou a 2.ª edição do [1898] de uma inesperada completude, sobretudo se tivermos em consideração as diferenças que apresenta em relação à parisiense 1.ª edição [1892] e a intenção que o poeta manifestara, nos últimos meses de vida, de reorganizá-la, incluindo apenas as poesias do período de Paris [1890-1895].
Antes e depois do , Nobre escreveu muitos poemas: dispersos uns, inéditos outros, alguns inacabados.
Em 1902, por iniciativa de Augusto Nobre e prefaciado por Sampaio Bruno, foi publicado Despedidas, livro que reuniu os poemas escritos entre 1895 e 1898, nesse regresso sem regresso, entre as expectativas de uma carreira que compensasse os sacrifícios do exílio e as derivas por uma cura para a doença que lhe foi amortecendo a esperança e intensificando a morte.
A juvenília de Nobre, constituída por poemas escritos entre 1882 e 1889, foi reunida em Primeiros Versos [1921], também por iniciativa do irmão. Apesar das evidentes fragilidades da edição e de muitos destes poemas, nesses primeiros versos encontramos não só os rudimentos da antropologia da paisagem do seu imaginário poético, como as funcionalidades do laboratório de criação que lhe possibilitou o desdobramento do seu incomparável universo semântico.
Como seria expectável, Despedidas e Primeiros Versos são livros que carecem de pertinência intrínseca, sobretudo porque são póstumos e não resultam de indicações consequentes de António Nobre, que certamente nunca tê-los-ia publicado com uma mera organização cronológica [basta pensarmos no processo de edição e reedição do ]. Ou seja: é o interesse documental – enfatizado pela morte do poeta – que justifica a publicação de cada um destes dois livros, a que inevitavelmente falta a acuidade de um livro de poesia, tornando-se uma espécie de repositórios de poemas escritos antes e depois do .
E isso não mudou quando, na década de 80 do século passado, Viale Moutinho reorganizou e reeditou Primeiros Versos e Mário Cláudio propôs a edição de Alicerces e, depois, da Poesia Completa.
Entre os reposicionamentos e os acrescentos propostos pelos dois, introduzi nesta edição outros dispersos do poeta, por indicação de António José Queiroz, José Cardoso Marques e Luís Manuel Gaspar.

Quando, em 2021, comecei a trabalhar na edição da poesia de Nobre, pareceu-me evidente que teria de ser organizada em dois volumes.
No primeiro, o [de acordo com a sua 2.ª edição], com uma introdução de José Carlos Seabra Pereira, uma cronologia proposta por António José Queiroz e, no final, um texto meu – de contextualização histórico-cultural do , com os índices comparados das duas edições e os poemas preteridos da 1.ª edição – e uma marginália [com textos de Moniz Barreto, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Raul Brandão e Agustina Bessa-Luís].
E neste segundo volume, todos os outros poemas, organizados em três partes: «Primeiros Versos», com os poemas da década de 80 do século XIX publicados em 1921, os do mesmo período que foram integrando as sucessivas reedições e com dispersos agora recolhidos de outras publicações; «Alicerces», de acordo com a edição de Mário Cláudio; e «Despedidas», os poemas de Nobre escritos no último período da sua vida. Entre «Alicerces» e «Despedidas», publico sete «Poemas de Paris» e, no final, ao modo de epílogo, esse dramático «António».
A publicação destes Primeiros e Últimos Versos assume as fragilidades de todas as tentativas anteriores de reunir as poesias que António Nobre deixou dispersas, inéditas e inacabadas. Com efeito, muitos dos poemas que aqui se reúnem revelam indecisões, reincidências e reiterações. Aos fragmentos e aos versos reescritos e reutilizados, somam-se as incertezas em relação à datação de vários poemas, assim como às transcrições e versões que tornam tão difícil o propósito de uma edição da poesia que Nobre escreveu antes e depois do .
Este é um documento com uma certa desarrumação orgânica e com uma coerência frágil. Evidentemente não tem a pretensão de ser definitivo. Mais: assume-se como um objeto inacabado, que apresenta o essencial do acessório da poesia de António Nobre e se oferece como uma preciosa e comovente caixa de ressonância para a leitura do .

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