Poeta à solta

Out 16, 2022 | Destaques

POETA À SOLTA

Barcelos | Theatro Gil Vicente
21-22 outubro 2022

“O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta”.
Agostinho da Silva

É cada vez mais difícil defender um argumento antipragmático como este. Convencemo-nos – eventualmente à força de tanto o escutar e de o repetir – que somos uma peça da engrenagem da grande máquina produtiva em que se foram tornando as nossas sociedades. O trabalho tornou-se uma categoria ética, um modo de definir o carácter de um indivíduo e de uma comunidade. No entanto, a consciência de que somos uma pequena peça de uma grande engrenagem e de que o trabalho nos legitima eticamente contribui para a erosão do humano, sobretudo pelos efeitos secundários que tendem a gerar no âmbito de uma economia desumanizada.
Mas não nos fixemos na primeira parte da premissa de Agostinho da Silva; foquemo-nos na segunda: o homem nasce para criar. Retiremos-lhe a carga existencialista desta possível derivação: o homem existe para criar. O nascer é essencialista: o homem é para criar. Atentos à última parte da premissa, apostaríamos nessa quase-redundância: o homem é para ser… seguida de outra quase-redundância: o tal poeta à solta.
Quando, há já uns meses, Valter Hugo Mãe sugeriu que este encontro de poetas portugueses e galegos, em Barcelos, celebrasse esse POETA À SOLTA, intuiu certamente a necessidade de abrandarmos um pouco o existir para trabalhar, de modo a termos algum tempo-espaço em que possamos ser para ler, ser para escutar, ser para descobrir, ser para permitir que o tal poeta à solta seja… que apenas seja.

Neste primeiro encontro, evocamos a memória de dois poetas minhotos: Guilherme de Faria, que nasceu em Guimarães, em 1907, e pôs fim à sua vida em 1929, com apenas 21 anos, deixando-nos uma obra poética referencial no contexto do neorromantismo lusitanista; e António Pedro (1909-1966), um dos mais admiráveis criadores da história da cultura portuguesa, que se destacou na poesia, na pintura, no teatro e em tantas outras expressões estéticas, sempre com um inconformado sentido de busca.
E acolhemos cinco poetas contemporâneos: Chus Pato, uma das vozes mais importantes da poesia galega do nosso tempo, que vive perto da fraga de Catasós, onde silenciosamente crescem os mais antigos castanheiros de Europa; João Vasco Rodrigues, que publicou agora o seu primeiro livro de poesia, no qual pressentimos bem mais do que o rumor de uma promessa; Jaime Rocha, cuja obra poética se entretece, nos últimos cinquenta anos, num dos mais fascinantes universos da poesia portuguesa contemporânea; Miriam Reyes, poeta que tem explorado a escrita audiovisual e o recital multimédia, e que acaba de reunir num volume os seis livros que publicou nos últimos vinte anos; e Valter Hugo Mãe, que por estes dias mudou a sua residência para Faria, Barcelos, e cuja reconhecida obra no âmbito da ficção presentifica a condição de poeta que aqui celebramos de dois modos: com a sua poesia e com a sua impressiva deriva pelas artes plásticas.
Acolhemos ainda o realizador Luís Costa, que nos traz a curta-metragem O nosso reino, inspirado na obra homónima de Valter Hugo Mãe.

Este encontro, promovido pela Câmara Municipal de Barcelos – em parceria com o projeto editorial Officium Lectionis, com coordenação científica da Cátedra de Sophia [da Universidade Católica do Porto] –, realiza-se no Theatro Gil Vicente, em cujo átrio somos acolhidos pelos Poetas, conjunto escultórico de José Rodrigues que, neste ano, celebra o seu vigésimo aniversário.
Pedimos ao escultor Paulo Neves que, num esquisso, representasse esses Poetas.

Estão assim reunidas as condições para o encontro, para o diálogo, para todas as perguntas [mesmo as que não têm resposta] e para essa luz que a palavra poética concentra misteriosamente, da qual a nossa existência recebe o máximo de claridade, mas que é impenetrável, pois – como perguntou Eduardo Lourenço – com que lâmpada exploraríamos o coração do sol?
Este POETA À SOLTA há de recordar-nos, nas palavras do filósofo, que a “Poesia não é uma árvore morta nem a fazer florir nas colinas de amanhã. É a resolução que damos à história, aos encontros, às promessas, de cada vez que consentimos descer das palavras à dificuldade dos atos. Ou subimos dos atos à corola mágica das palavras com que os arrancamos à certa desolação do tempo e da morte”.

Programa

21 out. | 6.ª f.

15:30 | abertura
15:45 | conversa com João Vasco Rodrigues e Miriam Reyes
17:15 | conversa com Chus Pato e Jaime Rocha
18:15 | evocação da memória de Guilherme de Faria e António Pedro
18:45 | leituras

21:30 | inauguração da exposição antológica de pintura, desenho e colagem “O que é uma casa senão um parente extraordinário”, de Valter Hugo Mãe [Galeria Municipal de Arte]

22 out. | sáb.

15:00 | conversa com Jaime Rocha, João Vasco Rodrigues e Valter Hugo Mãe
16:30 | exibição da curta-metragem O nosso reino, de Luís Costa, inspirado na obra homónima de Valter Hugo Mãe, seguida de conversa entre o realizador e o escritor
18:00 | conversa com Chus Pato e Miriam Reyes
19:00 | leituras
19:45 | encerramento

Curadoria: José Rui Teixeira, Jorge Teixeira e Maria de Lourdes Pereira

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